Saúde

Mulheres são elo invisibilizado da síndrome congênita do zika

Quando os casos de síndrome congênita do zika começaram a aparecer e Pernambuco virou epicentro de um novo cenário da saúde mundial, em outubro de 2015, todos os olhares se voltaram para os bebês. A necessidade de descortinar as causas e traçar um panorama para as crianças invisibilizou o outro lado intrínseco à problemática, as mulheres que estava por trás daqueles nascimentos. Como elas podiam fazer o planejamento familiar? Que tipo de apoio elas precisariam? Como a rotina delas seria alterada? Perguntas, dentre muitas, que não foram respondidas por completo e deixaram uma lacuna no problema.

Dos mais de 1,5 mil casos que haviam sido notificados menos de um ano depois de o Ministério da Saúde ter declarado emergência, 22% estavam em Pernambuco. Após os registros, chegaram as primeiras notícias de que mulheres estavam sendo abandonadas pelo marido em decorrência da síndrome dos filhos, evidenciando que algo deveria ser feito também por elas. No entanto, o tempo passou e pouco se avançou. É o que apontou em pesquisa o Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães (CpqAM/Fiocruz) e, na prática, atesta o Grupo Curumim.

“A gente percebeu que, no começo, se colocavam o bebê e o mosquito no centro, mas a mulher ficava invisível. Só que os impactos sociais e econômicos também aconteceriam na vida delas. Até hoje, a informação de que o zika pode ser transmitidos em uma relação sexual é pouco disseminada”, afirma a coordenadora do Grupo Curumim, Paula Viana. A negligência às vulnerabilidades femininas se torna mais crítica já que a pesquisa da Fiocruz evidenciou que, em 95% dos casos, a mãe é a principal cuidadora das crianças.

De acordo com o estudo, foram frequentes os relatos de desligamento dos empregos, abandono de projetos pessoais e sentimento de solidão no enfrentamento às adversidades pelo fato de ter um filho com a síndrome. O que corrobora o dado de que 70% das mães de filhos com doenças raras são abandonadas pelos companheiros. “A mulher engravida e toda a culpa da maternidade recai sobre ela: se teve cuidado, se tomou ácido fólico, se usou repelente, etc. O peso e a culta social são grandes. E não há cuidado com a saúde mental delas, não há políticas públicas”, afirma a presidente da Aliança de Mães e Famílias Raras (Amar), Pollyana Dias.

Marcione Rocha, 32 anos, já tinha dois filhos quando descobriu que estava grávida de Pérola. A menina, hoje com 3 anos, tem síndrome congênita do zika. Em busca das terapias para a filha, Marcione precisou deixar a cidade de Betânia, no Sertão, e vir morar na capital. “No Recife, tenho a dificuldade de ser sozinha para tudo, para levar na terapia, no posto de saúde, ir para a reunião da escola dos outros filhos. É difícil, pesado. Meu marido ficou, pois a nossa renda já é baixa e ele precisava trabalhar. Queria ter um trabalho, cuidar de mim”, contou.

Para Paula Viana, é fundamental trabalhar dois eixos no sentido de corrigir a atenção à mulher: o acesso à informação e a ruptura de barreiras no acesso às políticas já disponíveis. “As mulheres precisam saber que estão com zika, que os casos continuam acontecendo, que existem formas acessíveis de planejamento familiar, o que fazer em casos de gravidez indesejada. Que há casos em que a malformação no bebê pode comprometer a saúde delas. Sobretudo aquelas que não têm recursos financeiros”, explicou. O Grupo Curumim mantém um canal de apoio para dúvidas, o Vera, que pode ser acessado pelo telefone (81) 98580.7506, de segunda a sexta-feira, das 14h às 18h.

Em nota, a Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE) afirmou que nas ações de testagem das IST, o aconselhamento aborda a possibilidade da transmissão sexual e a importância do uso da camisinha nas relações sexuais, inclusive durante a gravidez. As capacitações da Gerência da Saúde da Mulher, sobre planejamento reprodutivo e parto, também abordam o tema com os profissionais de saúde que trabalham na Atenção Primária e rede hospitalar. A SES disse ainda que faz o monitoramento das gestantes com exantema e que aborda o tema durante as capacitações do Programa de Controle das Arboviroses com os municípios.

Por: Alice de Souza – Diario de Pernambuco