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Ano escolar perdido ameaça afetar renda e produtividade no longo prazo

Oito meses após o fechamento de escolas por conta da pandemia do novo coronavírus, ainda não há um plano concreto para retomar as atividades escolares com segurança.

Isso acendeu o alerta para as consequências que os prejuízos no aprendizado podem ter sobre a desigualdade de renda e sobre o próprio crescimento da economia brasileira.

No limite, o ano perdido pelos estudantes poderia subtrair R$ 1,5 trilhão da renda dos brasileiros ao longo de meio século, estima o professor Ricardo Paes de Barros, um dos maiores especialistas em desigualdade. O dano seria equivalente a um Bolsa Família por ano.

Um estrago desse tamanho não deve se concretizar, porque parte dos alunos manteve algum tipo de atividade remota ao longo de 2020. E mesmo quem foi prejudicado ainda poderá recuperar o tempo perdido. Mas o valor expressivo dá uma ideia do que está em jogo.

O grande temor é que, por falta de estímulo ou por necessidade, muitos alunos acabem simplesmente abandonando a escola. Cada ano adicional de estudo significa maior capacitação para o mercado e, consequentemente, mais oportunidades e melhores salários. E mão de obra menos qualificada também significa reduzir ainda mais a produtividade da economia, que já não é das melhores.

O economista Rodrigo Soares, professor licenciado da Universidade de Columbia e atualmente professor do Insper, avalia que há risco para os estudantes que estão em “momentos-chave” para a formação e o aprendizado, como é o caso de quem está no início da alfabetização. “Os primeiros anos de educação formal são muito importantes para estabelecer uma base para o que será desenvolvido posteriormente”, afirma.

“Prejudicando esses momentos-chave, é possível acabar afetando os anos totais de escolaridade que essa criança venha a ter. É possível que ela acabe tendo menos probabilidade de ir à faculdade e tudo isso está relacionado à competitividade no mercado de trabalho. Pode ter mais dificuldade de conseguir emprego, menor salário. Claro que isso não será verdade para a maioria das crianças, mas pode ser verdade para crianças que já estavam com dificuldade”, explicou Soares.

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Para uma parcela de alunos, aulas remotas se tornaram o principal canal de aprendizado durante a pandemia. Mas a realidade está longe de ser homogênea entre os Estados. Em São Paulo, que tem uma das maiores rendas per capita do Brasil, 5,2% dos alunos do ensino fundamental não tiveram qualquer atividade oferecida pelas escolas no mês de setembro, segundo dados da Pnad Covid-19 coletada pelo IBGE. No Pará, com menos da metade do PIB per capita paulista, essa proporção foi de 39,3%.

A situação se agrava ainda mais no ensino médio, que abriga os jovens já mais próximos do mercado de trabalho e que, segundo os especialistas, estão mais expostos ao risco de largar a escola para antecipar a busca por emprego, na expectativa de ajudar a família. No Pará, 63,9% dos estudantes do ensino médio não tiveram nenhuma atividade escolar em setembro, bem mais do que em São Paulo, onde a fatia foi de 8,2%.