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Fragilidade econômica facilita tráfico de fósseis de dinossauros, diz pesquisadora da UFRN que articula pedido de devolução de crânio da Alemanha para o Brasil

Crânio de Irritator challengeri. — Foto: Felipe Pinheiro

A fragilidade econômica e social em uma região do Nordeste brasileiro facilita o tráfico de fósseis de dinossauros para o exterior, segundo afirma a professora de paleontologia do Departamento de Geologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Aline Ghilardi.

Ela é uma das articuladoras do grupo de pesquisadores que começou uma campanha para tentar repatriar um fóssil de dinossauro que se encontra em um museu na Alemanha há mais de 30 anos.

Junto com um colega da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Juan Carlos Cisneros, e paleontólogos estrangeiros, Aline escreveu uma carta aberta a Petra Olschowski, Ministra de Ciência, Pesquisa e Artes de Baden-Wüttemberg, exigindo a repatriação do fóssil do dinossauro retirado da região do Araripe, que fica entre o Ceará, o Piauí e Pernambuco.

A carta aberta agora está em uma campanha para arrecadação de assinaturas de pesquisadores na internet.

O fóssil é um crânio preservado de um dinossauro da espécie Irritator challengeri, que teria sido tirado do país e adquirido pelo museu em 1991. Segundo a pesquisadora, a região do Araripe é uma área rica de fósseis bem preservados de um grupo raro de dinossauros: os espinossauros – dinossauros bípedes e carnívoros com focinhos longos, e que podiam alcançar até 6,5 metros de altura.

A espécie foi descrita pela primeira vez em 1996 a partir de fósseis de 115 milhões de anos descobertos na Bacia do Araripe.

Porém, apesar da proibição de legal de fósseis serem retirados do país, a região teve muitos materiais como esse traficado, ao longo dos anos, segundo a professora. Atualmente o fóssil está no Museu de História Natural de Stuttgart, no estado de Baden-Württemberg.

“A Bacia do Araripe é um dos cinco depósitos de fósseis mais importantes do mundo, com fósseis muito bem preservados, o que gera interesse de colecionadores e de museus. Por ser uma região frágil economicamente e socialmente, há uma facilidade de crimes como tráfico de fósseis. As pessoas interessadas oferecem dinheiro para a população e acabam levando esse material para fora. Os moradores da região ganham muito pouco. Quem ganha mais são os intermediários nessa rota do tráfico”, afirma a professora.

Interpretação artística do Irritator challenegri escavando sua mandíbula inferior estendida na água — Foto: Olof Moleman/Universität Greifswald/Divulgação/UFRN

Interpretação artística do Irritator challenegri escavando sua mandíbula inferior estendida na água — Foto: Olof Moleman/Universität Greifswald/Divulgação/UFRN

Ainda de acordo com a pesquisadora, parte do material vai parar em museus, mas outra parte cai nas mãos de colecionadores. Essa é uma das possíveis maneiras como o fóssil chegou à Alemanha, segundo explica.

“Quando cai nas mãos de um museu, o material ainda é usado cientificamente, porém, sem a procedência certa, sem sabermos de que parte da Bacia do Araripe esse crânio saiu, porque é uma área muito grande, há uma má ciência sendo feita”, considera.

Segundo a pesquisadora, o próprio nome dado à espécie reflete os prejuízos causados pelo tráfico de fósseis. Ao analisar o fóssil pela primeira vez, os pesquisadores constataram que ele tinha sido adulterado pelos traficantes para parecer mais bonito e completo e, dessa forma, mais valioso.

“Eles ficaram extremamente irritados com essa adulteração. E é daí que vem o nome da espécie”, ressalta.

Se voltar ao Brasil, o crânio de dinossauro deverá ser transferido para o Museu de Paleontologia de Santana do Cariri, no Ceará.

Outro caso

Em 2020, brasileiros protestaram na internet contra o Museu de História Natural de Karlsruhe, na Alemanha, que mantinha ilegalmente outro fóssil brasileiro, o Ubirajara. A campanha começou quando Aline publicou sua insatisfação com a situação, dando início à hashtag #UbirajaraBelongstoBR (Ubirajara pertence ao Brasil).

A professora participou de uma frente de trabalho com outros paleontologistas para pressionar as autoridades brasileiras e as do estado de Baden-Württemberg, onde fica o Museu. Após dois anos, a repatriação do fóssil foi determinada em 2022 e Ubirajara voltou ao Brasil em junho deste ano.

Agora, a paleontologista busca repetir o feito com o Irritator. Aline e outros paleontologistas lançaram uma carta aberta a Petra Olschowski, Ministra de Ciência, Pesquisa e Artes de Baden-Wüttemberg, exigindo a repatriação do fóssil do dinossauro. Petra é a sucessora de Theresia Bauer, ministra que ordenou a devolução de Ubirajara para o Brasil.

O caso do Irritator chamou a atenção do público em maio deste ano, quando uma publicação científica divulgou um artigo descrevendo características anatômicas do dinossauro. Após a polêmica, o artigo foi removido, e dois dos autores conversaram com a frente de paleontologistas, apoiando a repatriação.

“O caso do Irritator indica que não enfrentamos casos isolados, mas as consequências de um padrão sistêmico. Por tanto, consideramos imperativo que o Ministério efetue uma revisão sistemática da proveniência e da aquisição legal dos fósseis brasileiros nas coleções do Estado, também à luz da legislação brasileira. A legalidade, contudo, não é a nossa única preocupação. Gostaríamos de convidar o Ministério a considerar as implicações éticas das coleções públicas alemãs que guardam quantidades consideráveis de fósseis de um país que busca ativamente proteger o seu patrimônio paleontológico por lei.”, diz um trecho da carta. Leia a carta aqui.

g1 RN