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Dia da Consciência Negra: O que é o racismo ambiental e como ele impacta na sociedade

Nesta quarta-feira (20) é celebrado o Dia da Consciência Negra. Pela primeira vez, a data será um feriado nacional. Mas a importância da data vai além disso. Entre as inúmeras vertentes que podem ser abordadas, o racismo ambiental é uma delas. E o que seria o isso? A expressão foi criada na década de 1980, pelo Dr. Benjamin Franklin Chavis Jr., durante uma onda de protestos contra depósitos de materiais tóxicos instalados no condado de Warren, no estado da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, em uma região onde a maioria da população era negra. 

“Na época, um depósito de solo contaminado foi instalado propositalmente em uma região em que viviam pessoas pretas. Os responsáveis pelos rejeitos sabiam dos moradores, sabiam que eram pessoas pretas e por isso mesmo escolheram o local para receber os rejeitos”, destaca Mariana Andreotti Dias, professora e pós-doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Demografia (PPGDem), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

E como isso impacta na sociedade, nos grupos mais vulneráveis? De acordo com a professora, o impacto nessa parte da população se dá como uma sobreposição vulnerabilidades e riscos. Ela exemplifica com dados do Datasus, de 2017 a 2022, que mostraram que mulheres pretas são as que mais morrem no parto e/ou puerpério.

“Temos duas situações de contextos de riscos, aqui. Uma por serem mulheres. Duas por serem pretas. Se pegarmos a escolaridade, renda, situação de moradia, identificaremos que essas mulheres pretas terão outras sobreposições de vulnerabilidades, ampliando a problemática. Com o racismo ambiental não é diferente”, aponta.

Nos estudos, a pós-doutoranda identificou também que meninas pretas, de 1 a 5 anos, que moram na região do Semiárido Setentrional Nordestino, que engloba municípios do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Paraíba, registraram maiores índices de mortalidade por covid-19 em virtude de características climáticas, como poluição do ar e do estresse térmico. Para ela, isso pode ser explicado pela baixa qualidade de vida, com acesso a recursos básicos, como água, nutrientes, dieta equilibrada, tratamento de esgoto e até mesmo a disponibilidade de médicos e tratamentos.

Outro detalhe identificado no estudo é que mulheres amarelas, entre 46 e 55 anos, sofreram mais com a poluição do ar e calor extremo em comparação aos outros grupos etários, raça/cor e sexo. “Em suma, o racismo ambiental irá impactar grupos que já são impactados historicamente em nossa sociedade, a diferença é que eles,  população negra e principalmente mulheres negras, terão menos possibilidades de lidar com as consequências e serem resilientes, se comparados a outros grupos historicamente privilegiados”, explica.

Em se tratando de Rio Grande do Norte, Mariana Andreotti Dias considera que o racismo ambiental está presente em áreas de risco geológico, como encostas, topos de morro, moradias precárias e com ausência de saneamento básico. Com base nas análises de vulnerabilidade social e penalidade climática para o estado, foram indicados 31 municípios com elevados níveis de poluição e vulnerabilidade.

Alguns deles são: Alexandria, Almino Afonso, Apodi, Baraúna, Caicó, Doutor Severiano, Encanto, Equador, Governador Dix-Sept Rosado, Jardim de Piranhas, João Dias, Jucurutu, Luís Gomes, Messias Targino, Mossoró, Nova Cruz, Ouro Branco, Paraná, Patu, Pau do Ferros, Rodolfo Fernandes, Tibau, Santana do Seridó, São Francisco do Oeste, São Jose do Sabugi, São Miguel, Serra Negra do Norte, Severiano Melo, Tenente Ananias e Venha-Ver.

“A população da maioria desses municípios se autodeclarou parda, o que entra na concepção de racismo ambiental. São municípios com esgotamento sanitário precário, pouca arborização – que auxilia na dispersão da poluição do ar – e acesso a saúde e tratamento precários, elevando o risco para a mortalidade”, acrescenta a professora.

Algumas medidas que podem ser tomadas para diminuir o racismo ambiental incluem a criação de políticas públicas que levem em conta as desigualdades sociais e econômicas, a garantia do direito à participação das comunidades afetadas na tomada de decisão, a promoção da educação ambiental e a valorização do conhecimento tradicional das comunidades.

Além de um feriado

O Dia da Consciência Negra tem importante além de um número em vermelho naquele tradicional calendário pendurado na nossa parede. A transformação da data em feriado nacional é bastante significativa. “Por mais de um século, o impacto do racismo no aprofundamento das desigualdades no Brasil foi ignorado ou menosprezado. Mas o 20 de novembro coloca esse problema na pauta de múltiplos espaços, da grande mídia aos ambientes domésticos, lhe conferindo uma visibilidade imensa”, avalia Juliana Souza, professora do Departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Ela destaca a importância de o Estado reconhecer o racismo como um problema social e criar políticas públicas para o combate. Contudo, a professora frisa pontos que ainda estão aquém, como a ocupação de postos de maior relevância no mercado de trabalho. “A política de cotas raciais e sociais têm provocado mudanças significativas em alguns cenários, sendo o corpo estudantil das universidades públicas o caso mais conhecido. No entanto, os negros ainda são minoria entre os professores universitários, assim como em outros cargos e funções com maior remuneração”,  afirma. 

“Ou seja, a despeito da crescente qualificação da população negra, os melhores postos do mercado de trabalho continuam sendo majoritariamente ocupados pela população branca. Sem mudanças no mercado de trabalho ficam muito limitadas as possibilidades de Ascenção econômica e social da população negra, de modo que a desigualdade permanece inalterada”, completa.

A professora da UFRN também critica a falta de punições efetivas para atos racistas. “Tem sido ineficiente o esforço do estado em criminalizar e punir práticas racistas, ao passo que as prisões de todo o país continuam abarrotadas de jovens negros e pobres. Essas são pautas que precisam ser enfrentadas pelas políticas públicas”, aponta.

A origem da data

O Dia da Consciência Negra se originou nas ações do Movimento Negro organizado. De acordo com a professora, quando o Movimento Negro Unificado foi fundado, ainda em 1978, a criação da data foi uma das reivindicações. A ideia era criar uma data importante que se opusesse ao 13 de maio, que foi a data da abolição da escravatura. A data foi escolhida para homenagear Zumbi dos Palmares, que morreu em 20 de novembro de 1695.

“A cultura oficial e erudita sempre explorou enaltecendo a figura da Princesa Isabel como redentora dos escravizados. Já o 20 de Novembro confere protagonismo a Zumbi, uma figura histórica que representa a resistência negra contra a dominação europeia e, no lugar da celebração, propõe a reflexão crítica e a mobilização ativa contra o racismo”, explica Juliana Souza.

A data foi criada por meio da Lei nº 12.519, no dia 10 de novembro de 2011, durante o governo da então presidente Dilma Rousseff. Inicialmente, a lei não transformou a data em feriado nacional, podendo ser definida por cada governo estadual ou prefeitura. No ano passado, um projeto de lei do senador Randolfe Rodrigues foi sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 21 de dezembro. A lei que estabelece a mudança é a Lei nº 14.759/2023.